Juarez e Verinha casaram-se ela tendo 17 anos a menos que ele. Os amigos dele diziam:
- Abre o olho, Juarez! Agora não faz diferença mas quando você estiver entravado na cama e ela quiser sair pra dançar, aí quero ver como há de ser!
Mas Juarez não se importava. Nem Verinha. Sua preocupação se limitava à fortuna do futuro marido e como ela seria gasta em joias e roupas.
Pouco tempo depois de casados, Verinha arrumou um amante, um namorico antigo de infância que reapareceu ao saber do casamento. Juarez se queixava de muita dor de cabeça e de não enxergar bem, "são os chifres", pensava a esposa, mas dizia:
- O que pode ser, benzinho?
- A idade chegando, meu amor... Sinto aparecerem os problemas da vista. Preciso de um oftalmologista. Quando você pode me levar?
Verinha não o deixava sair sozinho, era muito ciumenta e sofria horrores ao pensar em perdê-lo. Certa vez ela se questionou se isso não seria amor. Logo descartou a possibilidade. Ela linda e jovem amando aquele velho? Não! Era só o dinheiro mesmo.
- Vou marcar ainda esta semana, benzinho.
Marcou e lá foram os dois. Juarez tinha um grave problema de vista que poderia cegá-lo se não tratado. O médico disse o diagnóstico apenas para a mulher de forma a não afligir o velho senhor. Receitou alguns colírios e lançou a ideia de uma possível cirurgia. A mulher não quis contar ao marido e foram conversando sobre outros assuntos até a volta para casa. Naquela mesma noite foi encontrar-se com o amante. Sobre o assunto, ele disse:
- Ah, neném... Não conta nada não, o velho não demora pra bater as botas, talvez isso até adiante o processo... Deixa como está. E eu também não vejo a hora de ser seu marido.
Ela então não contou a verdade ao marido. Ele foi perdendo a visão e ela o enrolando nas idas ao oftalmologista. Quando Juarez já quase não via mais nada, Verinha contratou uma enfermeira para cuidar dele. Contratou uma solteirona, feia que dói, evitando o risco de ser trocada.
- Meu benzinho, essa é a Jurema, vai me ajudar a cuidar de você. Vou deixar os dois aí que preciso ir ao banco. Te amo, meu Juju!
- Adeus, meu amor! Como é boa minha esposa... Como vai, Jurema?
- Bom dia, senhor Juarez!
A voz de Jurema era música aos ouvidos... O que lhe faltava de beleza física fora para a voz.
Verinha foi para a casa do amante. Reclamou de novo da mania dele de colocar vasos de flor em prateleiras na parede em que a cabeceira da cama apoiava. Mal sabia ela...
Estavam os dois na cama quando um desses vasos caiu e cortou-lhe a testa.
- Jurema, venha aqui!
Era Verinha chegando em casa. Jurema abriu a boca ao ver o curativo na testa da madame.
- Mas o que foi isso?!
- Caí de uma escada, Jurema, mas estou bem... Juarez não vai conseguir enxergar o curativo, ele não precisa saber...
Jurema não contou nada a Juarez. Mas uma amiga de Jurema que era dona de um pensionato, ligou para contar que hoje caíra um vaso na cabeça de uma mulher que ela sabia ser casada que se encontrava há anos lá com seu amante. Jurema indignou-se. Passou duas semanas pensando no assunto até que resolveu...
- Senhor Juarez...
- Ah, Jurema! Que voz doce a que você tem!
- Obrigada, senhor Juarez. Mas o que tenho para lhe falar não será tão doce...
Ao chegar em casa naquela tarde, Verinha não encontrou ninguém. Aproximou-se da cômoda e viu papeis. Eram papeis de divórcio e um bilhete: "A voz de Jurema é tão doce..."
Fora trocada. Verinha chorou de desespero e ao levantar o rosto viu-se no espelho e com ela a marca da sua culpa. Bem no meio da testa.
"Comece pelo começo - respondeu o Rei, muito sério - E vá até o fim. Quando terminar, pare." (Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll)
sábado, 13 de setembro de 2014
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Sobre fantasminhas.
Ernesto, 87 anos, velho carismático, língua afiada, bem
humorado, descarado, morrendo de cirrose hepática. Ele estava deitado na cama
de sua casa quando pediu que seus netos entrassem. Eram cinco. Luis de 23 anos,
Débora de 20 anos, Kaik de 18 anos, Luíza de 15 anos e Rafael de 3 anos.
- Queridos netinhos, o negócio é o seguinte. O vovô tá indo
pra highway to hell e como ama muito vocês tem alguns conselhos pra dar. Eu
nunca fui muito certo da cabeça e aconselho vocês a fazerem o mesmo. E como eu
bem sei que muitos de vocês herdaram meu sangue de porra louca, aqui vão alguns
conselhos: façam da vida de vocês o que quiserem. Se alguém falar o contrário
concorda na hora, vira as costas e faz o que quiser. Se for uma coisa muito
brava pode até mandar ir pro inferno em silêncio, um dia você vai morrer e ninguém vai
lembrar das suas maravilhosas palavras de afeto. Só vocês sabem o que é bom pra
vocês. Ou não. Mas em algum momento vocês vão ver qual das opções é a certa. Eu
vi quando conheci sua vó. A melhor coisa da minha vida foi ter dado um jeito de
amarrar sua vó em mim e deixar ela aqui comigo até hoje. Ela vale mais pra mim
do que tudo no mundo, do que cada gota de álcool que hoje mata meu fígado e
várias outras merdas que já estiveram em mim. Sua vó é foda! Ela é boa em tudo,
e em coisas que vocês não precisam saber também. Quando eu tiver mortinho, se
segura nela. Só pra finalizar a parte dos "conselhinhos" de velho gagá, Kaik, vodka
é coisa de viado. Se você quer beber, pega a chave embaixo do vaso na porta de
entrada e abre aquele porão que fica escondido debaixo da grama lá no fundo.
Vasculha aquilo ali e vê se vira homem.
Rafael dava gargalhadas no chão.
- Passemos pra mim agora, o astro dos últimos dias. Eu quero
que vocês me enterrem nu. Assim ninguém vai querer ficar naquela bosta de
velório por muito tempo e acaba rápido com essa babaquice. E outra, me enterrem com
muitos, mas muitos cogumelos, não sei como vai ser essa viagem pro além, vai
que eu preciso. E, o mais importante, cuidem da sua vó. Débora e Luíza,
certifiquem-se de que vocês serão companheiras tão maravilhosas como ela foi
pra mim. Cacete, eu amo sua vó. – ele suspirou longamente – É isso, crianças.
Agora vão embora porque eu preciso peidar e ultimamente isso tem fedido como o
inferno. Puta que pariu, eu tô podre.
Ernesto morreu oito dias depois. Foi enterrado com seu
melhor terno azul marinho e rosas brancas. Ninguém entendia porquê seus netos
riam tanto no gramado ao lado.
domingo, 20 de julho de 2014
Sobre alter egos.
Eu devo mesmo ser um
homem triste. Ela pensou enquanto colocava o ponto final do seu último conto.
Estava sentada sozinha à mesa de um tradicional bar francês em frente a uma
praça... Tomava seu chá calmamente e fumava seu cigarro. Nas mesas a sua volta estavam
um jovem casal, uma mãe com sua filha, um casal de idosos, dois amigos... Ela
conseguiria facilmente desenrolar uma história para cada mesa...
O jovem casal conversava
com o olhar... A moça pensava que finalmente encontrou o homem da sua vida, já
planejava o noivado, casamento, lua de mel e filhos. Mas sorria e passava a mão
pelos cabelos como quem não quer nada pra disfarçar... O rapaz pensava que
daqui vinte minutos começava a partida decisiva do seu time de futebol. Ou
seja, ele tinha vinte minutos pra arrumar um jeito de tirar a nova namorada
dali, chegar em casa, pegar uma cerveja e se segurar no sofá. Mas ela não podia
saber disso, ele tinha que demonstrar que estava indo embora porque...
Porque... Porque estava cansado. Muito cansado. Ele bocejou.
A filha não desgrudava do
celular, conversando com 15 amigos ao mesmo tempo e mais 3 rapazes, já que ela
ainda não decidira com qual dos três iria ficar definitivamente. A mãe,
obviamente se sentindo sozinha, se perguntava porque a filha escolhera ficar
com ela no divórcio e não com o pai, já que as duas nunca se deram bem e ela
sempre acaba se sentindo sozinha. Nas próximas férias e filha definitivamente
ficaria com o pai e ela viajaria pra um lugar bem quente pra poder andar sob o
sol e quem sabe não encontrar um novo amor...
O casal de idosos estava
em silêncio. Mas não um incômodo silêncio cortante. Um silêncio pacificamente
leve e apaixonado. Eles olhavam um para o outro, com um semblante sorridente e
se acariciavam as mãos sobre a mesa. Estavam na França à passeio... Ambos
pensavam na sua longa vida juntos, os filhos, netos... Como foram felizes e
como o seu amor permanece forte. Eles sabem com toda certeza que fizeram a
escolha certa.
Esses dois amigos
conversando não são só dois amigos. São gays, querem namorar, mas não sabem
ainda. É só o tempo de se despedirem pra acontecer um beijo roubado e estar
tudo certo.
E eu, bem... Eu sou uma
mulher relativamente jovem, que optou por ficar sozinha. Sou escritora e tento
parar de fumar há 3 anos. Sou uma solitária incurável. Talvez por isso tenha
abandonado todos os meus amores da juventude... Essa é a história da mulher que
se senta sozinha à mesa. Mas a verdade está no que eu escrevo... Naturalmente
as palavras saem de mim numa primeira pessoa masculina. E as minhas histórias,
bem... Pegue um livro meu que você vai entender que eu não sou a pessoa mais
engraçada que você vai conhecer na vida. É, sim... Eu sou um homem triste.
quinta-feira, 10 de julho de 2014
Sobre memórias.
Eles estavam na sala, olhando silenciosamente um nos olhos do outro.
- O que foi?
- Nada... - ela disse e levantou-se em direção ao quarto.
"Desde que senti o cheiro dela em você, nada nunca foi igual. Desde aquela noite, quando você me beija o meu primeiro sentido a ser ativado é o olfato. Eu sinto seu cheiro antes de aproveitar seu beijo. E a cada vez que você me beija, um pedaço de mim é arrancado. Naquele dia eu consegui me esquivar de você, mas essa lembrança não se esquiva de mim." , ela pensou.
- O que foi?
- Nada... - ela disse e levantou-se em direção ao quarto.
"Desde que senti o cheiro dela em você, nada nunca foi igual. Desde aquela noite, quando você me beija o meu primeiro sentido a ser ativado é o olfato. Eu sinto seu cheiro antes de aproveitar seu beijo. E a cada vez que você me beija, um pedaço de mim é arrancado. Naquele dia eu consegui me esquivar de você, mas essa lembrança não se esquiva de mim." , ela pensou.
terça-feira, 10 de junho de 2014
Sobre bons entendedores.
A minha vizinha tinha um gato. Daqueles com espírito de gato
mesmo, que só aparecem pra incomodar. Todos os dias eu pedia à minha esposa que
fechasse a porta da varanda pra que ele não entrasse. Ela dizia repetidamente
“- Você está certo, você está certo. Vou fechar com trava!”. No outro dia a
porta estava aberta, cheia de arranhões e havia cortinas rasgadas na casa.
- Você não disse que fecharia a porta?
- Devo ter ficado com sono e me esquecido, querido. Isso não
acontecerá de novo.
No outro dia, leite espalhado por toda a cozinha e eu quase
levo um tombo daqueles!
- Me desculpe, querido. Isso não acontecerá de novo.
No outro dia minha coleção de orquídeas com vasos quebrados
e pétalas despedaçadas.
- Me desculpe, querido. Isso não acontecerá de novo.
No outro dia um presentinho fedido do gato bem na minha
poltrona.
- Me desculpe, querido. Isso não acontecerá de novo.
No outro dia, saindo de casa para o trabalho me deparo com o
projetinho de felino no meu caminho. Sentado impassível à minha frente, olhando
para mim e miando como quem não quer nada. Quanta audácia!
Naquele dia quem trancou todas as portas e todas as janelas
fui eu. Basta de intrusos na minha casa.
Chega de gatos na minha vida!
- Agora, querida, isso realmente não acontecerá de novo.
Minha metafórica vizinha tinha, metaforicamente, um gato
metafórico.
Sobre engolir seco.
É difícil assumir quando algo está fadado ao fracasso.
Meu
vizinho, por exemplo. Pintava belos quadros, mas resolveu abrir uma padaria.
Não sabia fazer pão nem conseguiu contratar quem soubesse. Faliu. A ruivinha do
meu ensino médio. Amava química, louca de ficar o dia todo no laboratório.
Resolveu fazer Direito. Trancou no segundo período. Meu primo, coitado,
esforçado mas não sabe nem de longe cantar. Quis ser vocalista de banda. Ficou
tudo tão ruim que ele se deprimiu e suicidou-se. Minha mulher não gosta de mim.
Casamos porque... Sei lá porquê. Eu pedi e ela inexplicavelmente aceitou.
Bem...
Alguns dentes de leão depois, meu vizinho abriu uma galeria
e voltou a pintar quadros. É um sucesso! A minha colega ruiva acaba de ganhar
um prêmio de química por alguma coisa que ela fez que não me interessou muito
ler. Meu primo descansou, encontramos cartas dele que nos confortaram de muitas
maneiras.
E eu... Bem, eu...
Suspiro.
sábado, 24 de maio de 2014
Sobre a praça da matriz.
Eu engraxo sapatos. Não me lembro ao certo como aprendi o
ofício, era só mais um menino de rua até encontrar uma caixa de engraxate.
Enquanto faço meu trabalho, ouço os grandes homens conversarem sobre suas
senhoras, seus trabalhos difíceis, seus papeis importantes, seus horários
confusos, e uma política complicada. Conheço todos os tipos de sapatos, do mais
elegante ao mais casual, mesmo sabendo que nunca colocarei algum deles nos meus
pés pretos de poeira da rua. Não sei ler ou escrever, mas não sou bobo. Sei o
que significa ser inteligente e ser culto. Eu fico calado enquanto os grandes
homens disputam na garganta quem fala mais alto e no estômago quem é mais
gordo. Eu fico calado mas eu escuto; escuto, conheço e sei de muitas coisas que
eles nem imaginam. Não tenha pena de mim ao passar pela praça e me ver descalço
encurvado aos pés dos senhores. Eu sou alguém na vida. Escreva sobre mim! Eu
engraxo sapatos.
segunda-feira, 28 de abril de 2014
Sobre pulso.
“Somewhere
beyond the pain there’s me. And I won’t rest until the world knows the name
Isadore.”
Nós nos conhecemos no hospital, ela era médica e eu tinha quebrado a perna. Ela passou por mim carregando uma criança no colo até o carro onde sua mãe esperava, o beijou e, de repente, eu vi, de alguma forma, a mulher da minha vida ali. Eu precisava conhecer aquela garota. Então ela veio até mim, cuidou da minha perna e quando eu estava indo embora do hospital a convidei para sair. Ela aceitou. Nós jantamos juntos a semana toda, até que ela me deixasse beijá-la, o que fez meu mundo virar de cabeça para baixo. Nós engatamos um relacionamento e três anos depois ela se tornou minha linda esposa. Eu sempre sonhei em ser pai, então eu propus para ela que deveríamos tentar. Chorando, ela me disse que tinha tal doença que não a permitia ter filhos. Ela me pediu desculpas como se tivesse culpa. Eu estava triste, não posso negar, mas eu compreendi, e me machucava vê-la triste. Duas semanas depois, ela recebeu um convite para trabalhar voluntariamente na África, cuidando de crianças. Primeiro eu fiquei “Não, é claro que você não pode simplesmente ir embora!”, mas então nós conversamos e eu vi novamente quão bonito era o espírito da minha esposa quando ela me disse com todo o seu amor sobre as vidas que ela poderia salvar. Nós decidimos que mudaríamos os dois para a África, então. Ela foi um mês antes de mim porque eu tive que ficar para organizar nossas coisas. Durante esse tempo, ela me mandou cartas falando sobre como as crianças eram, ao mesmo tempo, triste e bonitas, e como um grupo de rebeldes estava contra a presença dela ali, desde que ela salvou a vida de uma menina de 13 anos que eles tentaram matar. Quando eu cheguei na África, lá estava minha esposa, sorrindo para mim e me abraçando com tanto amor, “Estou tão feliz em te ver! Você nunca vai entender o quanto te amo!”. Eu percebi que ela estava pálida e havia perdido peso, ela disse que estava bem. Nós moramos lá por um ano e meio, e eu via que ela não estava bem, mas se forçando a parecer feliz, então eu não perguntava muito. E então ela morreu. Eu encontrei uma carta... Ela escreveu que tinha descoberto que sua doença era terminal, então ela escolheu se mudar para a África para salvar o máximo de pessoas que ela pudesse, assim sua vida não teria sido em vão, mas sim transmitida para muitas outras vidas, como se cada criança que ela salvasse tivesse um pedacinho dela. E assim ela fez. Agora eu continuo o trabalho que ela começou. Meu único e maior amor em todo o universo, Isadora.
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