"Comece pelo começo - respondeu o Rei, muito sério - E vá até o fim. Quando terminar, pare." (Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll)

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Sobre dias nublados.



Lisandra chegou cansada em casa naquela quarta-feira. Eram 18:30 quando ela decidiu que pegaria o elevador ao invés das usuais escadas para chegar ao 1403. Apertou o botão com o número 14 e ficou olhando apática seu reflexo no espelho.
Chegando, trancou a porta e foi deixando rastros pela casa enquanto andava, como se desmontasse. Bolsa, sapatos, casaco, brincos, chaves... Virou os porta retratos -com sua foto de criança acompanhada dos pais e a foto adulta com o namorado ausente – para baixo. Tirou as roupas que ainda lhe restavam no corpo e colocou um blusão. Ligou baixo o som na sala e foi para a cozinha preparar uma dose do que tivesse no armário.
Passou por todos os canais da TV até desliga-la. Revirou-se em todas as posições imagináveis e inimagináveis pelo sofá até parar estirada no chão. Fechou os olhos por alguns minutos. Escuro.
Desligou o som e voltou para a cozinha. Enquanto preparava outra dose, o reflexo do sol no armário atingiu-lhe em cheio o rosto. Ela virou de costas e viu a enorme porta da sala para a varanda. Caminhou até lá, viu o sol se punha e acompanhou com a cabeça um pássaro que mergulhava cortando o ar à sua frente. Olhou para baixo, recostou a cabeça no parapeito como se cochilasse. Fechou bem os olhos, respirou fundo e ergueu-se.
Vou pular.
Passou uma perna sobre o parapeito. E a outra.
Sentada, olhou para baixo – os carros e pessoas passando – e sentiu medo da altura. Virou-se rapidamente a cabeça para frente.
Alguém a observava. Era um homem no prédio em frente ao seu, 15º andar. Estava sem camisa, parado à sacada num jeans claro. Fez que não com a cabeça para Lisandra, ao ponto em que ela começou a chorar. Ele fez sinal para que ela esperasse e entrou. Pouco depois voltou à sacada com uma rosa vermelha na mão. Ergueu-a em direção à Lisandra e depois jogou-a. Um voo livre até o asfalto que fez Lisandra desequilibrar-se enquanto acompanhava. Recuperando o equilíbrio e o susto, ela olhou novamente para o homem, agora assustado. Ela não conteve mais algumas lágrimas e fez que não para ele num gesto de cabeça. Foi quando então ele passou uma perna por sobre o parapeito, e a outra. Estavam agora os dois sentados às suas varandas. Um olhando fixa e profundamente para o outro. Ficaram assim por alguns minutos, como se suas almas se tocassem e deixassem entender. Lisandra impulsionou-se mais um pouco para frente e observou que o homem fez o mesmo. E de novo. Quase já de pé, os dois, a um suspiro da queda, Lisandra reparou uma única lágrima percorrer o rosto daquele homem.
Como um reflexo, Lisandra suspirou como se puxasse um pouco de vida junto com o ar frio. Sentou-se novamente e o mesmo fez o homem. Voltou uma perna para dentro da varanda e a outra. E o homem.
De pé, cada um dentro de sua respectiva sacada, continuaram a se olhar.
Ele sorriu.

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