"Comece pelo começo - respondeu o Rei, muito sério - E vá até o fim. Quando terminar, pare." (Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Sobre a sua preferência.


Eu sou a Augusta. Diagnosticada com transtorno bipolar com tendência ao autismo desde que posso me recordar. Minha cabeça não é o caos, minha vida é. E o mundo. Por isso resolvi me fechar a ele. Há algo de errado com as pessoas que eu ainda não descobri o que é. O contato máximo que me permito ter com elas é através de um vidro, seja ele o de uma janela, uma porta, ou uma televisão. Especialmente o último. Contrariando todas as expectativas para uma pessoa como eu, amo cinema. Me entrego aos filmes, histórias, lugares e personagens; porque eu sei que estão protegidos por uma camada de filme, outra de plástico e um vidro espesso. E eu, pelos mesmo meios, protegida deles. Só há uma pessoa que eu não quero barrar, ele. Ele é o meu paraíso pelo simples motivo de me desligar. Quando ele chega olhando nos meus olhos e sorrindo, o mundo para de zunir lá fora. Basta eu me lembrar que é um olhar de pena entre médico e paciente para que aquela parte de mim comece a gritar. Por quê? Será que ele pensa que eu sou doente?! É assim então que ele me vê?! Ele está errado. O mundo é que é doente! E então ele me desliga mais uma vez, mas dessa vez de verdade. Um efeito que dura algumas horas... Depois o mundo volta a zunir, e minha cabeça tenta reorganizar o caos. De novo, tudo igual. Até onde se possa dizer, normal. Voltamos a ser o silêncio, os filmes e eu. Hoje pela manhã fui até a janela. Lá na rua estavam o Doutor Coitadinha-da-minha-paciente com uma mulher. Eles estavam felizes, como os casais protegidos pela televisão. Eu toquei o vidro da janela, agora sim eu queria quebrar toda proteção que me separava dele, naquele momento me dei conta da tamanha dependência que eu criara para com ele. Foi quando vi meu reflexo no vidro. Me assustei sinceramente! Olhava para mim e via meus ossos, meus olhos saltavam do meu rosto magro! Marilyn, a eterna senhorita Monroe, uma vez disse que se fosse para alguém ser duas caras, que fizesse ao menos uma delas bonita. Me desculpa, não consegui. Nenhuma delas. Em mim uma face gritava de dor e a outra desorbitava em desespero. O que eu fiz de mim? O que eu fiz de nós? O que o mundo causou? Eu chorei. Simplesmente. Me cedi ao chão frio e chorei...

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