"Comece pelo começo - respondeu o Rei, muito sério - E vá até o fim. Quando terminar, pare." (Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll)

terça-feira, 10 de junho de 2014

Sobre bons entendedores.



A minha vizinha tinha um gato. Daqueles com espírito de gato mesmo, que só aparecem pra incomodar. Todos os dias eu pedia à minha esposa que fechasse a porta da varanda pra que ele não entrasse. Ela dizia repetidamente “- Você está certo, você está certo. Vou fechar com trava!”. No outro dia a porta estava aberta, cheia de arranhões e havia cortinas rasgadas na casa.
- Você não disse que fecharia a porta?
- Devo ter ficado com sono e me esquecido, querido. Isso não acontecerá de novo.
No outro dia, leite espalhado por toda a cozinha e eu quase levo um tombo daqueles!
- Me desculpe, querido. Isso não acontecerá de novo.
No outro dia minha coleção de orquídeas com vasos quebrados e pétalas despedaçadas.
- Me desculpe, querido. Isso não acontecerá de novo.
No outro dia um presentinho fedido do gato bem na minha poltrona.
- Me desculpe, querido. Isso não acontecerá de novo.
No outro dia, saindo de casa para o trabalho me deparo com o projetinho de felino no meu caminho. Sentado impassível à minha frente, olhando para mim e miando como quem não quer nada. Quanta audácia!
Naquele dia quem trancou todas as portas e todas as janelas fui eu.  Basta de intrusos na minha casa. Chega de gatos na minha vida!
- Agora, querida, isso realmente não acontecerá de novo.



Minha metafórica vizinha tinha, metaforicamente, um gato metafórico.

Sobre engolir seco.



É difícil assumir quando algo está fadado ao fracasso. 
Meu vizinho, por exemplo. Pintava belos quadros, mas resolveu abrir uma padaria. Não sabia fazer pão nem conseguiu contratar quem soubesse. Faliu. A ruivinha do meu ensino médio. Amava química, louca de ficar o dia todo no laboratório. Resolveu fazer Direito. Trancou no segundo período. Meu primo, coitado, esforçado mas não sabe nem de longe cantar. Quis ser vocalista de banda. Ficou tudo tão ruim que ele se deprimiu e suicidou-se. Minha mulher não gosta de mim. Casamos porque... Sei lá porquê. Eu pedi e ela inexplicavelmente aceitou. Bem...



Alguns dentes de leão depois, meu vizinho abriu uma galeria e voltou a pintar quadros. É um sucesso! A minha colega ruiva acaba de ganhar um prêmio de química por alguma coisa que ela fez que não me interessou muito ler. Meu primo descansou, encontramos cartas dele que nos confortaram de muitas maneiras.




E eu... Bem, eu...




Suspiro.