"Comece pelo começo - respondeu o Rei, muito sério - E vá até o fim. Quando terminar, pare." (Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll)

domingo, 8 de agosto de 2010

Sobre sensibilidade.

De novo ele veio. De novo as mesmas desculpas. De novo o mesmo temperamento. Mesmo assim a mulher o esperara depois de mais um dia de trabalho. Ele mal a via e já ia direto para o banho e depois, imediatamente, dormir. No outro dia, como todas as manhãs, a mulher já havia acordado e ido trabalhar lhe deixando o café pronto. E assim foi por 15 anos e alguns meses. Para ele, ela passara a ser talvez uma parte da mobília. Certa manhã de sol, ele acordou e se arrumou automaticamente. Passou pela cozinha, tomou seu café já pronto como sempre fazia. Teve mais um dia de trabalho cansativo, chegou em casa, foi direto para o banho e, imediatamente, cama. Mas a cama estava espaçada, parecia maior... Olhou ao redor. Não, a cama não aumentou. Será que estava enlouquecendo? De repente toca a campainha. "A uma hora dessas, quem pode ser?". Abre a porta pronto para amaldiçoar quem quer que seja que veio importunar um homem cansado a essa hora da noite. Foi surpreendido, não havia ninguém na porta, mas sim uma rosa com um cartão e algo parecido com um anel. No cartão estava escrito: "Feliz 16 anos de casamento!". Ele conhecia aquela letra. A letra combinava perfeitamente com o vazio na cama e o anel tinha a mesma espessura do silêncio que o cercou naquele instante. Não era uma mesa que ele havia passado do meio da sala para o canto, era de sua mulher que ele havia esquecido, da pessoa que mais se importava com ele. Como achá-la agora? Onde procurar? Saiu sem rumo pelas ruas e acabou chegando numa praça, onde, em seu primeiro encontro, tinha dado uma rosa vermelha para sua mulher. Lá, encontrou uma caixinha de jóias que logo reconheceu. Nela, outro bilhete: "Deixo meu coração contigo, como ele sempre foi seu. Cuide dele e não se esqueça que ele bateu unicamente por você. De sua eterna Beatriz." Marcelo nunca soube o que houve com sua Bia. Desespero apenas não mostra no que ele se afundou. Arrependimento não descreve o que sentia. Mas afinal, se em 16 anos ele esqueceu algo inesquecível como sua amada, em quanto tempo esqueceria aquela caixinha, aquela praça, aquela rosa e aqueles cartões?

3 comentários:

  1. É... isso mostra como perdemos tão fácil aquilo que o tempo nos entregou, sendo que nós mesmos o pedimos, mostra também, por outro lado, como abandonamos nossas promessas, de amar e respeitar, e se fazemos isso delas, fazemos o mesmo com as outras. o amor não deixa lembranças, porque lembranças é o que fica de algo que um dia se foi, e o amor de verdade não vai, ele apenas descança.

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  2. você demonstra uma enorme facilidade para criar personagens e dias, noites, épocas do ano. será uma excelente roteirista se assim desejar.

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  3. Sim, essa é a Ana que conheço e compartilho maluquices.

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