"Comece pelo começo - respondeu o Rei, muito sério - E vá até o fim. Quando terminar, pare." (Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll)

domingo, 20 de maio de 2012

Sobre... será que você sabe sobre o que é?

Era uma vez eu, Ester. Aqui estou, voltando do colégio com minha mochila, meu all star, uniforme e fones de ouvido. Hoje é chegar em casa, arrumar e sair pra beber com a turma. Abro a porta da cozinha e vejo um prato na mesa com uma maçã deliciosamente vermelha e um bilhete: "Beijinhos da Déia." Déia é a doméstica aqui de casa. Quase minha babá já que moro sozinha e é sempre ela que me socorre em tudo. Mordo a maçã. Tudo girando. Que tontura! Me apoio na parede pra não cair. Escorrego pela porta e quando me viro, socorro! Acabo de cair num buraco que surgiu do nada no meio da minha cozinha. Ai! Machuquei meu braço no fim da queda. Onde é isso aqui? Tudo ao meu redor é terra e uma luz bem longe lá em cima. Quando olho pro lado, uma mesa. Um bolo e um frasco com um líquido brilhante. Cada um com uma etiqueta: "Beba-me" e "Coma-me".

- Pílulas!

Que susto! De onde veio esse cara? E que chapéu é esse?

- Uma pílula te faz maior e a outra te deixa menor, e as que sua mãe te dá não fazem absolutamente nada. Pergunte pra Alice!... Alice...?

Seus olhos perderam o foco. Era como se ele tivesse no meio de um transe. Com um calafrio ele acordou.

- Coloque seus pés no ar e sua cabeça no chão. Tente isso! E depois gire! Sua cabeça vai rodopiar mas não tem nada nela! E aí você vai... se... perguntar...

Se perguntar...? Que maluco. Começo a andar pra trás.

- Onde está minha mente? Oh! Onde está minha mente? Onde?! Onde?!

Ele começa a se mover freneticamente, como se procurasse alguma coisa. Corri. Andei por vários corredores e parei numa sala, ofegante. Que droga é essa que está acontecendo? Onde eu estou, cara?! Fecho os olhos e tento pensar com clareza. Ao abri-los de novo, vejo um livro no chão. Engatinho até ele, está escrito na capa "Histórias extraordinárias". Quando pego o livro um buraco se abre sob mim e uma lâmina vai e volta por toda a sala como um pêndulo. À medida que vai e volta, a lâmina se abaixa, se aproximando de mim. Pronto, agora eu vou morrer. HA. Que legal.

Miau, miau.

Um gato? Onde?

Miau, miau.

Ok. Eu devo ter realmente surtado. O miado está vindo de dentro da parede. Me levantei da minha 'cova' e comecei a socar a parede seja lá no que fosse dar. Absurdo, eu sei. Vez ou outra eu tinha que me abaixar para que a lâmina-pêndulo não me atingisse. Pra minha surpresa a parede acabou quebrando e de lá pulou um gato que mais parecia uma fera. Me escondi do ataque dele e... tadam! Estou novamente em queda livre. Nada surpreendente a essa altura... Fecho os olhos e penso em acordar. POF.
Que chão duro. E cheio de pueira... Parece que a tática de acordar não funcionou. Respiro fundo e me levanto. Pareço estar em alguma espécie de casarão abandonado. Tem uma janela com o vidro meio quebrado, vou até ela. Parece inacreditável, mas é lindo! A casa onde vim parar fica sob um morro e eu consigo ver toda uma cidade logo abaixo. E o jardim da casa... Que jardim! Tudo é cortado com formas diferentes, quem fez isso deve ser um jardineiro extremamente habilidoso. Ouvi um barulho de metal e me virei. No outro canto da sala, no meio ao escuro, consegui ver um rosto. Me assustei e virei. Pensei comigo "Não é real." Mas e se fosse? E se fosse alguém com explicações para mim? Me virei de novo.

- Olá?

Ele parece assustado.

- Olá? Quem é você? Não vou te machucar.

Tento me aproximar e ele se encolhe todo. Continuo mesmo assim. Quando fui tocar seu rosto para confirmar se era real, ele se assustou e, atrapalhado me fez um corte no braço. Ai!

- Desculpe, desculpe! Você não deveria ter vindo aqui! Eu machuco as pessoas, eu não, eu não...

Enquanto ele falava, se levantou e foi andando em direção à janela que eu estava, iluminada pela luz. Era um homem pálido, com cabelos volumosos e embolados, vestido com roupas pretas pesadas. Me assustei quando ele se virou para mim e vi que no lugar de suas mãos haviam... tesouras. Senti pena dele, seja lá o que ele fosse. Me levantei apertando o braço e fui em direção a ele.

- Está tudo bem, foi só um...

Cometi a burrice de olhar pro meu braço. Eu sou uma fraca com sangue. Desmaiei e caí pela janela.
"Arestum momentum" numa voz masculina foi a primeira coisa que veio na minha cabeça quando eu acordei num lugar que parecia uma infermaria. Parecia em termos. Na verdade só chutei que fosse uma por causa da mulher que estava na cama ao lado dando um remédio para um garoto que resmungava. Ok que suas roupas eram extremamente antiquadas, mas ainda acho que uma cruz vermelha num uniforme branco seja coisa de enfermeira. Fora isso, as paredes eram de tijolos vermelhos e eram altas, muito altas.

- Ah, aí está você.

Como não notei antes? Tem um velho no pé da minha cama com uma barba maior que meu cabelo e uma... aquilo é uma camisola? Enfim...

- "Arestum momentum", o que é isso?

- Ah sim, as perguntas. Bom, é um feitiço. E certamente salvou sua vida.

Feitiço. Ok, agora chega. Me levantei da cama e saí andando até a porta no final dessa sala enorme que eu ainda acho que é uma enfermaria. A enfermeira me vê e se apressa na minha direção. O velho com a camisola simplesmente estende o braço e ela para. Ele abaixa um pouco a cabeça e olha pra mim com olhos azuis atrás de óculos de meia lua. Ele parece me atravessar com o olhar agora. Não diz nada, apenas sorri para mim e me indica a porta com um gesto. Não sei exatamente porque ele simplesmente me deixou sair, mas eu fui. Corri por um corredor e, ao chegar ao final dele, parei com o que vi. Havia um castelo atrás de mim, eu estava na enfermaria de um castelo se é que isso existe. E logo a minha frente havia uma colina com vista pra um lago. Desci tentando manter minha respiração normal e organizar minha cabeça. Estava indo bem até que eu vi uma árvore se mexendo sozinha. Entrei numa floresta e continuei caminhando. Comecei a sentir frio. Vi uma fumaça. Andei na direção onde ela vinha, ou talvez ela mesma tenha me puxado. Ela vinha de um cogumelo maior que o normal e uma lagarta estava sentada acima dele fumando um narguilé. Acho que isso explica a fumaça.

- Ora, ora...

É, ela fala. Por que a surpresa?

- Então você veio...

- É, parece que sim. Quem é você?

- HAHAHA. - ela continua com a voz embargada - Eu sou eu. E você é você. Mas quem é você?

E o bicho solta uma baforada de fumaça que me enlaça. Começo a tossir e me abaixo. Quando a fumaça some, eu estou na beirada de uma rodovia.
Desisto. Não vou tentar entender onde estou, o que está acontecendo e nem tentar fugir. Liguei o 'foda-se'. O que tiver que ser, que venha. Andei alguns quilômetros numa rodovia mais ou menos iluminada, cercada de floresta por todos os lados. Um carro parou ao meu lado. Dele desceu um homem de coturno, jeans, jaqueta de couro e um óculos que tinha um brilho estranho, como se seus olhos pegassem fogo atrás das lentes. Na sua jaqueta consegui ler acima de vários broches a palavra 'Ares' que julguei ser o nome dele. Pelo menos era tão estranho quanto.

- Olá, mocinha. Tem alguém que quer te ver - ele disso com um peso de ironia na voz enquanto abria a porta da limousine negra.

Lá dentro estava uma mulher incrivelmente linda. Fiquei até um pouco tonta ao vê-la. Ela passava batom e segurava um espelho.

- Ah, Ester! Finalmente! Sente-se.

Me sentei no banco a frente dela. Ela me analisou com aqueles olhos profundamente encantadores, me ofereceu chocolates e disse:

- Afrodite. Se está pensando quem sou, sou Afrodite. Sabe, Ester... Tenho te visto e quero preparar uma surpresa pra você. Você está apaixonada por alguém, Ester?

- Eu... eu... meu namorado? - Eu me sentia estúpida por não conseguir responder, mas a áurea daquela mulher me fazia ficar tonta. Deliciosamente tonta.

- Hum, interessante. Mas sabe, Ester... Você vai aprender que o coração é um órgão inquieto e ludibriador. E o amor, querida, o amor é um labirinto. Como o do mito de Hércules, como o construído por Dédalo... Acontece que nesse labirinto estão vários outros corações. E ele faz as pessoas se perderem e se encontrarem.

Ela falava com jeito de quem conhecia a fundo tudo que pronunciava. De quem conseguia até manipular o amor.

- Mas não se preocupe, querida. Deixe o caminho com os deuses, deixe o caminho comigo. Não recuse o que você encontrar no labirinto. Não, você não vai recusar, eu sei que não.

Ela se aproximou de mim e me beijou a bochecha. Fechei os olhos, seu cheiro era doce. Quando abri novamente os olhos, estava do lado de fora do carro. Ares fechava a porta, entrava e arrancava. Consegui ler na placa 'Deusa do Amor'. Notei que estava com um sorriso estúpido no rosto e continuei andando pela rodovia. Comecei a cantarolar...

- I'm going back to 505, if it's a 7 hour flight or a 45 minutes drive, in my imagination you're waiting lying on your side with

- Your hands between your thighs and a smile!

Que cara lindo! De onde ele veio eu não sei, mas apareceu do meu lado cantando junto comigo e, uau.

- Arctic Monkeys, então. - Ele disse com uma voz quente que parecia dançar nos meus ouvidos.

- Pois é. Quem é você?

- Ah, esqueci de me apresentar. Eu sou Lestat. - ele beijou minha mão.

- Estér.

- Prazer Estér. O que você faz andando por aqui sozinha?

- Bom, é completamente louco. Absurdo. Você não ia acreditar se eu contasse. Nem eu acredito ainda.

Ele riu um riso gostoso.

- Vai por mim, eu acreditaria. Mas então você parece estar com tempo... - ele olhou fixamente em meus olhos- Venha até minha casa comigo.

- Ok, estou com tempo mesmo...

A casa dele era enorme e parecia antiga. Entramos numa sala com uma lareira e eu caí no sofá.
Ele colocou um som legal e me trouxe um copo de uma bebida marrom, vi que era uísque ao sentir o cheiro.

- Pra esquentar um pouco. - Ele acendeu a lareira e me puxou para dançar.

Nós dançamos por horas. Bebemos, trocamos olhares. Ao som de Let Me do Black Tide, ele passou a mão pela minha cintura, sussurrou junto com a musica 'The heat from your body drives me insane' e me beijou. Na verdade, NOS beijamos. Ele me levou contra uma pilastra da sala e desabotoou dois botões da minha camisa. Num piscar de olhos, ele varria a mesa e nós estávamos sobre ela. Tirei sua camisa. Noutro piscar de olhos estávamos no sofá e ele terminava com os botões da minha blusa. Mais rápido ainda, estava novamente entre a parede e ele, dessa vez ao lado da lareira. Ele começa a beijar meu pescoço, vai até o ombro esquerdo e quando volta para o pescoço tem os caninos afiadíssimos à mostra, indo me morder. Sem pensar, pego uma das espadas no escudo em cima da lareira e o ataco. Cravei a espada em seu estômago. Ele cambaleou para trás e caiu sobre o tapete. Andei calmamente, e me sentei sobre ele.

- 'Say you'll never die, you'll always haunt me" - sussurrei no seu ouvido acompanhando a música, agora do Stone Sour, que tocava.

O beijei, olhei diretamente em seus olhos e ele sorria. Peguei minha blusa no chão e fui embora.
Aqui vou eu de novo, na rodovia. Não sei onde estou, o que me trouxe aqui e pra onde vou. Mas agora, por incrível que pareça, estou bem.
Foi então que apareceu uma raposa ao meu lado e começou a andar comigo. Do jeito que vão as coisas, eu nem me assustei quando ela disse ‘Bom dia’. Eu simplesmente respondi...

- Bom dia. Então você vai me acompanhar?

- Eu não posso. Não fui cativada ainda.

- Cativada?

- Você não é daqui. O que procura?

- Procuro voltar para minha casa.

- Você tem uma casa aqui?

- Acho que não exatamente aqui. O que você quis dizer com ‘não fui cativada ainda’?

- Cativar é uma coisa esquecida, significa ‘criar laços’. Você não é ainda para mim senão uma garota inteiramente igual a cem mil outras garotas. E eu não preciso de você, nem você de mim. Pra você, eu não passo de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas se você me cativar, nós teremos necessidade um do outro.

Eu sorri comigo mesma, e tirei a mão dos bolsos para acariciar a cabeça da raposa. Andei junto dela até a beira de um penhasco onde sentamos.

- Nada é perfeito... – ela disse.

Quando me virei para olhá-la ela havia desaparecido.
Me voltei para o céu e lá estava a lua, cheia, linda. Me deitei.
Aos poucos a lua foi diminuindo, era como se trocasse de fases em velocidade recorde. De repente ela parou no formato de um... sorriso? Surgiram dois olhos acima da boca-lua que sorria.

- Miau.

Disse aquilo no céu.

- Um gato? – eu perguntei pra mim mesma.

- HAHAHAH – ele ria.

- Gatos não riem.

- Os de Cheshire sim.

E ele ria e se aproximava cada vez mais de mim, até estar tão perto que tive que esconder meus olhos da claridade que já os machucava.
Quando a luz diminuiu, abri meus olhos e, surpresa, lá estava Déia! Corri para abraça-la mas bati em alguma coisa, uma espécie de vidro que bloqueava meu caminho. Olhei ao redor, eu estava num lugar inteiro de vidro, parecia um aquário imenso, sem fim.

- Déia! O que está acontecendo? Me tire daqui, Déia!

Ela sorria. Se aproximou de mim e disse:

- Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu? Existe, espelho? Existe... Estér?

E ela sorria.

Referências:

Branca de Neve

Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll

Alice no País das Maravilhas - Tim Burton (adaptação para cinema)

O Gato Preto - Edgar Allan Poe

O Poço e o Pêndulo - Edgar Allan Poe

Edward Mãos de Tesoura - Tim Burton

Harry Potter - J.K. Rowling

Percy Jackson e os Olimpianos - Rick Riordan

Entrevista com o Vampiro - Anne Rice

O Pequeno Príncipe - Antoine de Saint-Exupéry