O escuro agora era como uma fumaça que distorcia a visão. A cabeça, doía muito a cabeça de Anabell. Ela levantou-se com certa dificuldade e sentou-se num banquinho. Suas roupas estavam molhadas e pesadas, o lugar era escuro, com apenas uma vela para iluminação. Parecia um depósito. Anabell sentia frio.
Alguém abriu a porta deixando entrar um feixe de luz no lugar.
- Ai, essa luz!
- Você acordou! Como se sente? - era uma mulher, não era jovem como Anabell mas também não era velha.
- Que lugar é esse, quem é você e como cheguei aqui. - Anabell talvez não quisesse realmente usar esse tom imperativo, mas estava com medo.
- Você está em Jan Mayen. Um de nossos homens que chegava no navio te viu boiando no mar.
- Boiando no mar... ?
- Não se preocupe com isso agora, querida. Venha, vamos subir para que troque essas roupas molhadas.
Anabell estava mesmo num depósito. Quando saiu de lá entrou num corredor que dava num bar. As pessoas eram tão obscuras e sujas como o lugar. A mulher levou Anabell para uma escadaria que levava a um segundo andar.
- Espere aqui.
Anabell estava num quarto que parecia feito para uma criança. Um quarto grotesco, mas infantil. A mulher voltou.
- Aqui estão, devem servir para você. Troque sua roupa molhada e durma um pouco. Logo trago comida para você. Se precisar de alguma coisa, estarei lá embaixo. - a mulher beijou-lhe a testa e saiu.
Anabell se trocou e sentou-se na cama. Abriu a cortina. Mar, uma imensidão de água se abria a frente da janela.
"O navio está afundando!"
Ela se lembrou. Agora ela sabia o que tinha acontecido e precisava voltar. Ela desceu correndo as escadas, passou pelo bar e abriu abruptamente a porta.
- Maria! - a mulher corria atrás dela.
Havia uma multidão gritando num lugar que parecia um porto em frente a um navio que, ao que parecia, partiria em minutos.
- Maria, onde pensa que vai? - a mulher alcançara Anabell.
- Eu não me chamo Maria! Me solte!
- Você é Maria sim! Eu sei que Deus te levou de mim anos atrás mas ele viu, ele viu! Eu nunca esqueci de você, nunca desfiz seu quarto porque sabia que você voltaria, minha filha! Deus teve pena de mim e me devolveu minha menina!
Havia uma certa loucura naquilo, mas Anabell sentia pena daquela mulher que chorava e a segurava desesperadamente. Havia muita dor em seus olhos. Mas ela precisava voltar, não podia ficar ali.
- Solte-me! Eu não sou sua filha e nunca seria! Deixe-me ir, mulher! Largue-me!
Anabell soltou-se daqueles braços e correu deixando a mulher imóvel em meio às suas frias lágrimas.
Quando chegou naquela multidão, Anabell viu o que realmente estava acontecendo. Queriam sair da ilha, todas aquelas pessoas, mas os homens que estavam na embarcação não deixavam. A situação era violenta. Anabell pulou na água fria e nadou em direção à embarcação que agora conseguis avançar deixando o porto e a multidão para trás. Ela agarrou-se nos pés de um homem e começou a usá-lo como corda, escalou-o até conseguir finalmente estar a bordo. Ela sentou-se na ponta da embarcação ainda sem fôlego. A multidão continuava a gritar e uma mulher, agora caída, chorava na ponte. Era horrível.
Anabell andou pelos corredores daquela embarcação e sentou-se num banco, na parte externa do navio. No banco ao lado estavam dois senhores que conversavam. A viagem parecia demorar e Anabell de distraída com seus pensamentos. Até que ouviu parte da conversa dos dois senhores ao lado:
- Triste fim.
- Do que você fala?
- Foi aqui, o navio que afundou. Exatamente aqui.
Anabell correu até a proa do navio, o mar estava escuro. Estava. Algo começou a iluminar-se ali. Lá estavam, seu pai e sua mãe. Eles dançavam no que parecia um salão. Anabell continuou a andar agarrada às grades do navio. Havia um moço. Estava no que parecia ser um sofá. Erguia um copo em direção a ela como cumprimento. E tinha aqueles olhos, lindos olhos. Olhos que fizeram Anabell pular no gelado Atlântico Norte.
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