Era 1988 quando Clarice tinha 5 anos e morava com a mãe e a tia. Seu pai deixara sua mãe quando ela estava grávida e Clarice nunca o conheceu. Sua mãe não passava muito tempo com a menina, ela tinha os olhos do pai. A tia Abigail era quem mais cuidava de Clarice. A menina não gostava do padrasto, lhe dava arrepios quando ele passava. Por vezes Clarice o via chegar em casa com bebidas e, espiando na gretinha da porta do quarto, via a tia recolher os corpos de sua mãe e do padrasto que, tão bêbados, ficavam caídos na sala mesmo. A tia também não gostava de Roberto, o padrasto. Ele já tinha tentado agarrá-la várias vezes, mas Abigail sempre conseguia fugir. Clarice observava o que acontecia dentro de sua casa e não falava nada. Clarice desenhava. Seus desenhos eram as palavras que ela não falava, eram as coisas feias que ela via e nem sempre entendia. Era uma quarta-feira quando o padrasto chegou em casa fora de si. Dessa vez não entregou o conteúdo da garrafa para a mãe de Clarice, mas quebou-a em sua cabeça, deixando-a desacordada no chão. Abigail correu logo para ajudá-la, mas Roberto a pegou pelos cabelos, tapou-lhe a boca e a colocou sobre a pia.
- Foi sempre você, Abigail, sempre! Eu nunca quis sua irmã e você sabe disso! Mas você nunca me quis, por quê? Por quê, Abigail?! Por quê?! Eu amo você! Eu quero te fazer feliz meu amor! - e tentou beijá-la.
- Eu tenho nojo de você, Roberto! Me solte, está me machucando!
- Como você pode ter nojo de alguém que te ama?! - e tentava tirar-lhe a blusa.
- Me solte, Roberto! O que você está fazendo?
- Você é uma vadia, é isso o que você deve fazer! - e tentava agarrá-la.
Abigail esperneava e gritava.
- Calada! - Roberto lhe deu um tapa - Calada, meu amor! Eu sou o homem pra você!
Era difícil identificar até onde ia a bebida e onde já era loucura, obsessão os olhos daquele homem.
Clarice tinha medo, estava parada atrás da porta do seu quarto observando tudo em silêncio, com medo de sair do quarto.
Clarice nunca esqueceu aquele homem. Todos os dias ela pensava nele, em se vingar por tudo o que ele havia feito às pessoas que ela amava. Ela não iria deixá-lo ileso, ela não podia. Clarice, uma linda mulher de 32 anos, passava dias a fio observando Roberto e planejando o que faria com ele. De certa forma isso a lembrava do tempo de criança, quando observava tudo sem que ninguém soubesse. Clarice tinha um plano, era uma quarta-feira quando resolveu colocá-lo em prática.
Roberto estava no supermercado. Clarice parou no estacionamento e ficou o esperando sair. Passava a chave do carro na boca, sedutora, ansiosa. Roberto saiu, andava rumo à sua casa. Clarice o seguiu com o carro de longe. Quando Roberto passava por uma rua vazia, Clarice sorriu: é agora. A linda mulher acelerou o carro ao máximo e fechou os olhos. Só ouviu o barulho de algo batendo no carro. Roberto. Ela parou o carro no fim da rua, abriu os olhos, olhou no retrovisor. Estava feito. Desceu. Viu aquele corpo com raiva e alívio. Beijou a rosa vermelha que tinha nas mãos e jogou sobre ele:
- É isso que as vadias fazem!
Clarice voltou para o carro e dirigiu como nunca antes. Livremente, leve! Clarice voava.
Uau... Marcas profundas deixadas em Clarice. O que houve com ela depois? Belo texto , Ana, como sempre!
ResponderExcluirDepois ela continuou a vida dela normalmente. E vez ou outra levava uma rosa vermelha pra Roberto no cemitério.
ResponderExcluirOh sim, legal... Pelo menos ela não ficou mal o resto da vida... =D
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