- A madrugada é sempre fria por aqui.
Eu sei, eu sei. Não render. As mulheres desse lugar se chamam problema e só querem meu dinheiro. Mas esses olhos contariam uma bela história pra mim. Frio, 'a madrugada é fria aqui'.
- E as pessoas sempre quentes, não é? As bebidas geladas e os pianos fervendo... E o jazz.
Ela está rindo de mim. Eu não bebi tanto pra ficar tonto.
- Você não tem a cara desse lugar.
- É, não. Eu sou um escritor... Digamos que vim buscar alguma inspiração.
- Falta de atenção foi o que ela alegou, não é?
- Então você é uma adivinha, hum.
Adorei sua risada. E o cheiro de uísque que saía da sua boca, huum, que cheiro!
- Eu posso ser o que você quiser.
- Qual o seu preço?
- Hahaha! Não, você não é esse tipo de cara.
- Eu disse que preciso de uma história?
- Não, não disse.
- Então. Preciso de uma história. qual o seu preço?
- Vou precisar ler essa tal história primeiro, depois te dou um preço.
Couro, as luvas que me puxaram para dentro de um prédio eram de couro. Tropecei em alguns degraus, obviamente porque estava escuro demais, as luzes eram muito fracas. E ela ria cada vez que eu caia. Quando o couro não me puxava pra cima, eu me segurava na rede de suas pernas. Devo ter rasgado sua meia, não me lembro. Quando entramos no quarto rapidamente abri a janela, precisava de ar. Que lua linda era aquela! Ela me abraçou pelas costas e agora estava quente. Trazia um copo pra mim com um líquido verde. Ah, minha querida fada verde! Eu ri sozinho dos meus pensamentos absurdos... Comecei a considerar que estivesse um pouco bêbado. Só um pouco. Tirei meu caderno e um lápis do bolso do casaco e coloquei sobre a mesinha. Ela tirou meu casaco e o pendurou. Enquanto eu ainda estava olhando pela janela, ela passou os braços ao meu redor e me sentou na cadeira. Abri o caderno, ela abriu o colete. Conferi a ponta do lápis, ela desabotoou a liga. Começei a escrever, ela lançou a meia.
- Preciso de um nome pra minha personagem.
- Augusta.
Seus olhos ardiam no fundo dos meus. Primeiro: apresentar o personagem. A primeira linha estava escrita, o primeiro botão aberto. Segundo: apresentar o lugar. A minha cabeça girava um pouco, ela se virava e descia para tirar os sapatos de salto. Terceiro: criar a situação. Joguei um gole na boca pra ajudar a pensar, ela jogou o sutiã no chão. Seus peitos estavam... Risca peitos. Seios. Seus seios estavam expostos à luz da lua. Eu me engasguei, ela sorriu.
- Como vai indo a história?
Era um chamado, tinha que ser. E mesmo se não fosse, eu fui. Me levantei e a beijei. Sua pele era doce e a cama era macia. Mas seus dentes, esses sim eram afiados! Ela era incrível!
- Mais um, amigo?
Acordei assustado com alguém me cutucando. Era o dono do bar. Como foi que eu voltei pra cá e dormi no balcão?
- Não, não.
Olhei em volta mas ela não estava lá. Eu não sonhei, né? Procurei no bolso pelo meu caderno e o lápis. Tinha uma história escrita. Passei a mão pelo outro bolso e tinha um lenço com uma marca de beijo. Saí do bar, procurando-a pelas ruas.
- A madrugada é sempre fria por aqui.
Era aquele voz com cheiro de uísque, eram aqueles olhos em chamas.
- Augusta!
- Como você sabe meu nome? Nunca te vi por aqui...
- Bom, eu...