- Não se vá, Rosemere! Ele disse ao fechar a porta. Sou um gênio!
O gênio que falava sozinho era Alfredo. Desde pequeno desenvolvera um grande interesse pela leitura. Colecionava obras de todos os gêneros publicadas em todo o mundo e trocava qualquer experiência por uma boa e solitária leitura. Sempre quis escrever. Se esforçava ao máximo por horas a fio mas não conseguia. Não tinha o dom... Enlouqueceu. Com os pais misteriosamente mortos, vive hoje numa casa que está sempre fechada, mas onde passa a maior parte do seu tempo, saindo apenas para comprar alimentos e livros. Todas as pessoas com quem se encontrava na rua viam nele uma pessoa estranha, doente e perturbada... Tinha pena dos pais que o criaram com tanto afeto e agora, mesmo mortos, o sustentavam com uma gorda pensão e herança. Há quem o acuse de ser o responsável pela morte dos pais, aquele louco! Era doente, deveria estar internado.
- Um brinde à sua nova obra, meu amor!
- Ah, Rose! Minha vida! Um brinde a você por me oferecer essa personagem maravilhosa!
- Um best seller na certa, Alfredo! Mais um para a sua carreira! Prepare-se para mais coquetéis, autógrafos, fotos, entrevistas...
- E você prepare-se para nossa próxima viagem!
Alfredo era um escritor de grande sucesso. Vaidoso, casara-se com Rose, uma atriz, e decidiram não ter filhos. Vivem luxuosamente em meio a festas e trabalhos de altíssimo valor. Sempre presentes na mídia, são o casal mais querido dos jornalistas sérios e baratos. O último livro de Alfredo era um romance feito em homenagem à sua esposa e seria lançado na próxima semana. Os preparativos corriam para o grande lançamento que seria realizado nos estúdios de gravação onde ela trabalhava. Depois uma série de noites de autógrafos por vários lugares do país.
Alfredo acordou naquela sexta feira comum. Saiu da casa fechada e foi ao mercado mais próximo para comprar comida. Ao sair viu um cartaz fixado no vidro do caixa onde se lia "Lançamento do livro 'Rose' do premiado autor Alfredo Lopes!". Era daqui três dias. Alfredo pegou o cartaz e levou para casa. Não conseguia tirar os olhos do pequeno papel. Era seu nome, ele era Alfredo Lopes. Mas não se lembrava de ter escrito um livro com o título "Rose". Não se lembrava de ter escrito livro algum. Que brincadeira era aquela? Ele iria naquele evento tirar a história a limpo.
A cidade pequena estava cheia. Parecia que todos os moradores decidiram comparecer ao lançamento do livro. Alguns foram realmente pela leitura, outros pelo autor, outros pela esposa atriz, outros só para ter o que fazer, já que a cidade não era tão movimentada para eventos. Alfredo distribuía autógrafos, sorrisos e fotografias enquanto Rose conversava amigavelmente com os presentes. Alfredo chegou e assustou-se com a quantidade de pessoas. Ficou parado à porta observando por alguns minutos. Subiu as escadas e ficou num canto pensando qual daquelas pessoas estaria usando o seu nome. Viu uma pilha de livros de capa vermelha onde lia-se "Rose" em letras douradas. Pegou o livro e teve uma sensação até então desconhecida por ele. Era como se segurasse veludo... E o cheiro de rosas...
- Boa noite! - era Rosemere, o cheiro de rosas atrás de Alfredo.
Ele ficou hipnotizado com os olhos azuis de Rose. Não conseguiu sequer responder...
- Está tudo bem?
- Com licença - Alfredo saiu andando a passos largos e só parou dois quarteirões depois se dando conta de que espremia o livro sobre o peito sem ar. Olhou mais uma vez o livro e sentiu o perfume de rosas. Os olhos azuis... Limpou o suor que lhe escorria pela face e andou até sua casa. Leu o livro inteiro sem conseguir parar, madrugada adentro... Aquelas palavras eram dele. Ele tinha certeza! "- Não se vá, Rosemere!". Ninguém além dele terminaria o livro dessa maneira, com aquela frase. Alguém se passava por ele! Alfredo iniciou uma busca por todas as informações do autor. Ambos nasceram no mesmo dia e mês, porém Alfredo era um ano mais velho que o Alfredo Lopes do livro. Ambos órfãos. Era um absurdo! Como pode?! Como pode?! Alfredo movia-se freneticamente pela sala, Sentava-se balançando na cadeira, passava as mãos no rosto limpando o suor com desespero, puxava seus cabelos. Falava sozinho:
- Os meus lapsos de memória! É ele! Eu escrevo, ele rouba minha produção e me faz esquecer. Ladrão! E Rose, Rose, oh, Rose! Ela é minha esposa! Minha!!! Canalha! Ele vai me pagar por tudo que roubou de mim! Vou recuperar minha vida, tirá-la dele! Tirar a dele! Alfredo Lopes! Al-fre-do-lo-pes! Eu! Só eu! Sou eu! Eu sou o escritor! O único! Eu sou Alfredo Lopes! O único Alfredo Lopes!